sexta-feira, 27 de outubro de 2017

CARTA ABERTA AO AMOR E À DESILUSÃO , por Dr. James Walker Júnior





Dirijo esse relato à minha filha Luísa Walker, amor da minha vida.

Faz pouco tempo você era um bebê e hoje, às vésperas de completar 20 anos, é estudante de Direito, cursando o 4º período.

Minha filha, a menos que isso seja uma paixão incontida, algo que você mesma jamais relatou ao papai, ainda há tempo de mudar.

Papai te conhece pelo olhar, consigo alcançar seus sentimentos, e sei que você não é detentora do principal adjetivo para uma carreira jurídica, a HIPOCRISIA.

Busque uma profissão que se pareça com você, onde o sorriso seja verdadeiro, onde o tratamento seja adequado, generoso e solidário, onde as pessoas sejam humanas.

Por aqui, no Direito, nas carreiras jurídicas, impera o egocentrismo, a vaidade, o solipsismo, tudo de ruim e do mais baixo nível.

Papai te ama incondicionalmente, e se pudesse escolher, te pediria para buscar um lugar mais humano e menos hostil que o Direito.

Começando pela justiça, onde mesmo antes do conhecimento técnico-jurídico, o trato urbano, elegante e cordial deveria prevalecer, pois nem isso o judiciário ostenta nestes dias.

Assistimos ontem, atônitos, dois ministros se digladiando publicamente, com ofensas que transbordaram às diferenças pessoais e alcançaram, de forma fulminante, a dignidade do Poder Judiciário.

Curiosamente, ambos usaram como instrumento de “ofensa” o argumento de autoridade de que o outro “solta” pessoas.

Como se a concessão da liberdade, estado natural do ser humano, fosse uma irremediável ofensa.

Para um, soltar o José Dirceu é quase crime de lesa pátria.

Para o outro, seu colega tem a “desfaçatez” de mudar o entendimento da Turma para soltar pessoas, sendo “amigo e condescendente com a criminalidade de colarinho branco”.

Dois grandes representantes daquilo que o papai jamais sonhou para o seu futuro minha filha, o exercício público e pleno da HIPOCRISIA.

Naquela discussão os dois são grandes perdedores, mas para além deles, perdemos nós todos, como corolário daquele espetáculo bizarro, o credo na Suprema Corte, que assistiu calada, pusilânime, pelos olhos de outros nove ministros, o embate da desmoralização pública do Poder Judiciário.

Logo eles, que a todos julgam, do alto(?) de suas inabaláveis condições de ministros, desceram ao degrau raso do desrespeito institucional, quebrando o decoro mínimo a se esperar daquela Corte Constitucional.

Mas isso é apenas uma pequena amostra minha filha, sim, pequena, do tamanho daquela pior composição do STF de todos os tempos, para lhe dizer como andam as carreiras jurídicas.

Insisto, ainda há tempo de se livrar desse carma!

A advocacia a qual pertenço está, igualmente, impregnada de HIPOCRISIA.

Falta leitura, estudo, senso crítico, enfim, está carente de tudo.

Luto com todas as forças para mostrar que somos defensores da liberdade e das garantias fundamentais, por princípio, mas e se muitos dos meus pares desconhecem o significado de princípio? Como fica?

Seu pai beira a loucura, grito, debato-me contra muitos, digo que jamais aplaudiremos a doença alheia, a morte alheia e, muito menos, a prisão alheia.

Mas o olhar míope de significativa parte da minha própria classe aplaude o autoritarismo quando lhe interessa, fazendo o outro invisível, renegando a própria luta e, principalmente, tornando-se parte daquilo que nós mesmos combatemos, o exercício autoritário de poder.

Independente de política, de avaliação moral e vinganças pessoais, como um criminalista pode aplaudir a transferência do ex-governador a um presídio federal, sob argumentos de vingança?

Lembra filha?

Te falei do solipsismo, da miopia hermenêutica e da HIPOCRISIA, enfim, ainda lhe resta tempo.

E o nosso enfrentamento diário?

A polícia acusa, o MP acusa, a imprensa acusa, o juiz acusa (por incrível que pareça), o réu se acusa e acusa os outros (delação), ouvi isso em um vídeo do amigo Elias Mattar Assad, aquele velho bruxo turco.

O que dizer, minha filha, do nosso enfrentamento diário?

Somos a trincheira, os contramajoritários, os que se colocam ao lado dos acusados, mesmo quando um daqueles poderosos acima cai, somos nós que defendemos a todos, pois a Constituição Federal assim dispõe.

Ela é velha, vale menos que qualquer decisão da “Rinha Suprema”, leva mais pedras que “Geni”, mas ainda é a nossa Constituição.

E aqui meu bebê, papai pontua que todo dia um deles cai, e quando isso acontece, somente nestas oportunidades, é que eles vêm o quanto foram autoritários e injustos no exercício de suas atividades.

Começa pela postura interna corpore, quando um deles cai, imediatamente procuram o criminalista, e os seus pares, esses começam a atacar com a voracidade de um canibal, que quer a carne do seu igual, para numa conduta autofágica, comer (no sentido de eliminar) a “carne podre” que poderia macular sua moral e o status institucional.

Haja HIPOCRISIA !!

Lidar diariamente com a polícia, o Ministério Público e a Justiça, é tudo que o papai não deseja pra você minha linda, pois sua doçura e delicadeza não combinam com essa selvageria.

Grandes comentários sobre a polícia papai vai pular, muito mais por compaixão que qualquer outro sentimento.

Embora apodrecida, desprezada, sucateada, a instituição tem seu valor.

Hoje é resumida a alvo móvel da criminalidade e, tecnicamente, retrato da inoperância estatal, com seus delegados “enxugando o gelo” da burocracia e os agentes e militares morrendo em nome da idiotizante guerra às drogas.

A lida diária com o Ministério Público admite maiores comentários.

Há uma grande turma de jovens membros, todos vindos de camadas baixas ou da classe média da sociedade (isso não é uma ofensa, mas uma constatação - sem condução coercitiva, por favor), que se aventurou numa vingança que reedita a luta de classes.

Estão preocupadíssimos em prender pessoas ricas, para tentar dar à sociedade a falsa sensação de reversão histórica do combate à corrupção e da criminalidade.

Sobre isso minha filha, papai tem algo hilário a lhe dizer.

Há membros dessas instituições que agora, inimaginavelmente, deixam seus luxuosos gabinetes e vão às diligências com a polícia, para empreenderem prisões e buscas e apreensões.

Entretanto, somente aquelas diligências em lugares como o Jardim Pernambuco e a Vieira Souto.

Chegam lá altamente maquiados, de bolsas de grife, com lindos discursos patrióticos e ávidos por câmeras e holofotes.

Nunca vi um desses “modelitos” em incursões na Rocinha ou na Maré.

Eles gostariam de mandar como o juiz e ganhar como o criminalista, não conseguem uma coisa nem outra.

Deve ser frustrante!!

Para compensar, exercem suas atividades com um ar ameaçador, como se fossem pedir a prisão do mundo, enxergam a todos como potenciais inimigos ou suspeitos, sobretudo os que defendem liberdades, não distinguindo o réu do advogado e até mesmo do magistrado, quando este, em raras exceções, tem um olhar constitucional e humanizado para o acusado e o processo.

Para esses jovens, que se livraram de viver numa ditadura por razões que desconhecem, pelo sangue de pessoas que desprezam, a moral vence o direito, sempre!

Resta-me a lembrança de uns poucos membros da instituição, e.g. Afrânio Silva Jardim, um admirável mestre, que se estivesse na ativa, seria motivo de chacota para os seus pares preconceituosos, em razão das suas vestes, barba e cabelo, já que essa juventude de grife, arrogante e autossuficiente perdeu o respeito, sobretudo pelos grandes mestres, que diante de suas cruzadas de moralismo, nada significam.

O último (ou primeiro) acusador é a imprensa minha filha.

Sobre essa, falarei estritamente por metáfora.

Ela se comporta como a hiena na selva.

Aquele risinho cretino, o dia inteiro, de perto e de longe ao mesmo tempo, sempre na espreita, esperando a queda de alguém, para chutar, humilhar e achincalhar.

Na selva, ela tem pavor dos fortes, dos que estão de pé, vive a bajular, mas quando o leão cai, é ela, a hiena, a primeira a se aproximar e atacar, com a sua voracidade covarde.

Nossa imprensa é exatamente assim, apoiou a ditadura, apoia golpes, mas é a principal beneficiada de TODOS os governos que já passaram pelo país.

Brasil um país de todos(!) é uma das mais caras e milionárias campanhas publicitárias do país, que beneficiou incontáveis veículos de comunicação, mas isso não se apura, pois como dito desde o início, o sistema de justiça criminal está a serviço da HIPOCRISIA.

Minha filha, papai repete, ainda há tempo!!

Procure algo mais humano e verdadeiro para fazer, uma profissão que possa fazer alguém feliz, que permita um olhar sincero e um trato gentil.

Deixe o Direito para os infelizes que alimentam a sua própria desgraça existencial.

Sabe por que meu amor?

Papai conhece sua determinação e dedicação a tudo se propõe a fazer.

Vai que você, com sua bravura e obstinação, segue por esse caminho e termina ministra, acho que o papai morreria de vergonha!

James Walker Júnior, advogado criminalista e Presidente da ABRACRIM - RJ

0 comentários:

Postar um comentário